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Um país “gourmet” em que a cultura deve ser reordenamento do território


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O país São Tomé e Príncipe que todos queriam na altura da independência seria certamente mais rico nesses sonhos que o país que hoje existe, passados 40 anos, mas isso não faz desanimar João Carlos Silva.

“Normalmente o que se sonha é sempre diferente daquilo que se faz: a independência é um grande processo e não um fim em si”, refere o são-tomense que ganhou notoriedade com programas de culinária e gastronomia na RTP, como o “Na Roça com os Tachos”.
“Descobri através dos meus programas de culinária e das viagens pelo mundo que São Tomé e Príncipe é um pais `gourmet`” e há que potenciar essa vertente, disse à Lusa ao fazer o balanço de 40 anos de independência e perspetivar o futuro.

João Carlos Silva acredita que o país nunca voltará a ter “uma economia de grande escala”, logo a cultura será a chave.

“A cultura estará na base para podermos pegar no que temos de bom. A história deixou-nos coisas extremamente interessantes e importantes”, tais como a arquitetura, música, teatro ou outras artes perfomativas.

Quase todas podem ser transformadas em peças trabalhadas para fazer funcionar uma indústria cultural e fazer de São Tomé e Príncipe “um ponto de encontro para a produção” artística.

Num país em que ainda faltam infraestruturas básicas, João Carlos Silva fala de cultura, algo que raramente é visto como uma prioridade num estado com tantas necessidades.

Para além de ter transformado a roça de São João de Angolares, no sul da ilha, num espaço turístico de alojamento e gastronomia, dirige ainda na capital a CACAU – Casa das Artes, Criação, Ambiente e Utopias, com restaurante, exposições e espetáculos.

“Falo porque a cultura é a base, é fundamental se quisermos redesenhar este país e fazer um reordenamento do território inteligente e criativo”, em que a tradição casa com desenvolvimento — atraindo o investimento externo.

O arquipélago pode precisar de estradas, por exemplo, mas isso não há turistas: já as manifestações culturais e as antigas roças, sim, têm potencial para atrair turismo e por isso trata-se de um património cultural que tem que ser dinamizado, acredita.

“Sem esse olhar inteligente, que nem sempre existe, não teremos um futuro onde a cultura e a natureza se possam casar bem”, refere o são-tomense que deixa o recado: “visão e vontade são ingredientes fundamentais para ter um bom prato”.

Se não existirem, “teremos que os arranjar, sob pena de darmos razão àqueles que há 40 anos diziam que não tínhamos capacidade nenhuma para ser independentes”.

Neste cenário, o Estado “não deve fazer tudo”, deve antes surgir como um facilitador do ambiente de negócios.

Na Roça de São João de Angolares, João Carlos Silva está a preparar uma “escola gastronomia, não apenas de cozinha, porque queremos casar gastronomia com cidadania”.

Ou seja, é uma iniciativa do próprio, de âmbito privado, sem intervenção do Estado — cujo papel deve estar mais a montante, garantindo condições para o país funcionar e atrair investidores.

Nessa escola, 15 jovens de São João de Angolares vai poder aprender História, Educação Ambiental, Biologia, Botânica e Nutrição, entre outras disciplinas que acabam por ajudar a perceber a gastronomia local.

“Eles vão poder ouvir as suas próprias mães, ligadas aos costumes locais, que vamos convidar também para dar aulas”, acrescentou.

Este tipo de iniciativas privadas pode florescer nas roças, antigos complexos agrícolas, comparáveis a povoações com todas as infraestruturas e serviços, a maior parte dos quais estão hoje abandonados.

João Carlos Silva acredita que as roças “podem ser pequenos polos de desenvolvimento local integrado”, cada qual com a sua vocação (agricultura, medicina tropical, design ou outros), consoante o contexto em que estejam inseridas.

Para se chegar a algum lado, faz uma proposta: “São Tomé e Príncipe deve ter uma estratégica visão clara a 10, 15 ou 20 anos e devia haver quase como um pacto de regime” acerca de uma “plataforma de entendimento em torno das grandes questões e criar desígnios nacionais”.

No 40.º aniversário da Independência, João Carlos Silva tem uma visão otimista em relação ao futuro, por que acredita que “São Tomé e Príncipe é de facto a sede da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP): não com um edifício como em Lisboa, mas com um edifício natural com esta mestiçagem fabulosa que se gerou aqui”.

“E, quem sabe, pode vir a ser de facto, se Lisboa um dia se cansar um pouco, porque não”, questiona.


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