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Um novo olhar sobre D. João V


Via    Ana C. de Freita

Álbum Weale foi redescoberto após séculos e pode ser visto numa exposição temporária do Museu de São Roque.

A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) revela, numa exposição inédita, um volume de desenhos histórico, com encomendas de obras de arte italianas feitas pelo rei D. Joao V na primeira metade do seculo XVIII. “De Roma para Lisboa: um álbum para o Rei Magnânimo” e o culminar de um processo mais vasto, que incluiu o restauro e publicação do Álbum Weale, financiado pela Santa Casa em 15 mil euros.

Para Margarida Montenegro, diretora de cultura da SCML, e importante sublinhar o “serviço público prestado para resgatar o documento, preservar a memória futura e disponibiliza-lo aos investigadores e público em geral”.

O Álbum Weale teve uma vida aventurosa nas suas inúmeras viagens pelo mundo e reemergiu várias vezes do seu paradeiro incerto ao longo da história. Passou por varias mãos no seu curso de vida e em 1990 foi (re) descoberto na biblioteca da Escola Nacional de Belas Artes, em Paris. Por isso mesmo, a comissaria Teresa Vale decidiu que a “exposição em si se centraria na ideia de viagem, enquanto processo de intercâmbio cultural e artístico”. Antes de mais porque se trata de um álbum concebido para viajar e depois porque teve um percurso internacional.

A primeira dessas viagens foi de Roma para Lisboa. Na década de 1740 corriam rumores em Lisboa de que Manuel Pereira de Sampaio (1691-1750), embaixador de D. Joao. V em Roma, gastava somas elevadíssimas nas encomendas de obras de arte italianas para a Basílica Patriarcal e capela de S. João Baptista.

Numa tentativa de “prestar contas” e informar o rei do curso das encomendas, o embaixador reuniu num curto espaço de tempo um volume de desenhos com o nome dos artistas e custo das peças. É nesse sentido que a comissária da exposição se refere ao álbum como um “exercício de contabilidade ilustrada”.

O destino seguinte foi o Rio de Janeiro, para onde foi levado pela família real por ameaça das invasões francesas. Na segunda metade do século XIX o álbum está na posse de um editor de arte inglês, John Weale, que lhe dá o nome.

Perde-se novamente o seu rasto até que na década de 1990 ele “reaparece” em Paris. Por estar catalogado como manuscrito não tinha despertado a atenção dos historiadores de arte.

Na opinião de Teresa Vale, este volume é precioso por trazer até nós objetos que desapareceram com o terramoto de 1755, como é o caso do acervo da Patriarcal de Lisboa, mas também por permitir refletir sobre o papel do desenho na história de arte.

São precisamente esses desenhos que nos orientam ao longo da galeria de exposições temporárias do Museu de São Roque. A par dos desenhos e manuscritos (cartas dirigidas aos embaixadores), vamos encontrar obras de arte “tipologicamente semelhantes” às reproduzidas nos desenhos, executadas pelos mesmos artistas que trabalharam para a capela de S. João Baptista.

Não é por acaso que se diz que dentro do livro cabe uma capela. “O álbum ilustra todo o processo de realização da capela, que estava em curso naqueles anos, e ilustra as suas coleções, designadamente a de ourivesaria, que se conserva no Museu de São Roque”, diz-nos Teresa Vale. A capela não coube apenas dentro deste livro. Foi desmontada e acondicionada em caixas de madeira, couro e latão, revestida a veludo, como a que podemos ver na exposição, e transportada em três naus pelo mediterrâneo.

Depois de uma longa viagem pelo globo, os desenhos voltam ao seu destino inicial, Lisboa. E mesmo que no final da exposição, em setembro, o álbum original regresse para a estante da biblioteca da Escola Nacional de Belas Artes, em Paris, “o ciclo não termina aqui”, como nos diz Margarida Montenegro. ”A publicação do Álbum Weale é uma espécie de caixa de pandora que vai abrir novas perspetivas sobre as encomendas joaninas”.


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